Pular para o conteúdo principal

Sinapses

Giacomini é José e seus duplos
Foto: Elenize Dezgeniski


Por Valmir Santos

Desde o primeiro segundo a cena solo se organiza cirurgicamente na conjugação do ator com texto, espaço, luz e música. A concomitância de elementos são o sal e a limpeza formal de As Tramoias de José na Cidade Labiríntica. Eduardo Giacomini, também o cenógrafo, faz de uma plataforma de cerca de um metro quadrado o território bambo das memórias que projeta. O texto deambula por reminiscências, como a formação da pólis grega e o pós-guerra; guia-se pelos olhos de Santa Luzia; e por aí vai.

A escrita da diretora Olga Nenevê firma uma tensão dramática existencial ao mesmo tempo em que a retalha entre lacunas reiteradas pelo sujeito, um espécie de Funes borgiano (des)memorioso divagando em torno dos grandes temas da humanidade e daqueles que circunscreveram a sua essência. A desordem e o fracasso pisam as calçadas e o asfalto das cidades urbanas flanando por solidões e medos universais segundo as lentes do narrador assombrado com os descaminhos traçados até ali.

A cena do núcleo Obragem de Teatro e Companhia amealha sínteses em seu acabamento visual que não encontram eco na enunciação de Giacomini. A voz ainda não emana o mesmo tônus corporal por meio do qual não sucumbe ao desequilíbrio de base. Timbres em rouquidão e rugido, quem sabe. Em tudo mais, a sublimação esteta guarda potencial artaudiano, equalizando ambientação sonora com um desespero coronário para flechar o outro a quem dirige seus pensamentos bilíngües assimilados por bons entendedores de meias palavras assim disponíveis, aqui e alhures.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Coração acéfalo/Boca desgarrada - Companhia Subjétil

A cena da Companhia Subjétil apresenta uma característica interessante dentro do contexto da Mostra: a construção da dramaturgia para os sugeridos 15 minutos de apresentação em uma dinâmica coerente com a utilização do tempo. Na maior parte das outras cenas assistidas até agora, mesmo nas que foram pensadas especificamente para a Mostra, a duração ficou um pouco marcada como uma premissa externa – seja por insuficiência de tempo para que o espectador encontre um fio condutor para si, seja por uma tentativa de preencher os quinze minutos com o maior número possível de signos. “Coração acéfalo/Boca desgarrada” tem uma cadência própria. Em outras apresentações, os 15 minutos foram divididos em mais de uma cena, às vezes cada uma com uma tônica diferente. Isso não é necessariamente um problema, afinal a Mostra abre possibilidades para uma variedade de propostas, mas dentro de um horizonte de convivência, me pareceu que essa particularidade da cena da Companhia Subjétil fez uma diferença pa

Sem pena

O performer Zé Reis na provocadora cena 'Pós-Frango'  }  Elenize Dezgeniski A objetificação da mulher é tão brutal na sociedade machista que quando ocorre o inverso – o corpo masculino tratado como carne na vitrine –, poucos se dão conta. A performance Pós-frango faz uma articulação estética e filosoficamente bem urdida dessa espécie de contradição. O ator e dançarino Zé Reis, da companhia brasiliense Errante, perpassa imagens figurativas e disruptivas. Pelado, ele alude a estereótipos e convenções a partir de um corpo escultórico, evidenciando músculos que servem ao gogo boy ou ao fisiculturismo. E à arte, claro. Como as aparências enganam, mas, enfim, aparecem – já dizia Leminski –, os desfazimentos dessa plasticidade fútil por volumes e relevos outros tornam as suspensões poeticamente forjadas nesse mesmo corpo sobreposições maleáveis e sofisticadas desse mesmo material capturado do registro grosso da paisagem urbana. Estendido de uma ponta à outra na dianteira do palc

Prêtà-porquê – Cia portátil

A cena da Cia Portátil, assim como a cena que se apresentou logo antes, da Cia 5 cabeças, também atingiu um ponto de relação com o espectador que abre possibilidades para a Mostra agregar um público espontâneo, que não está comprometido com o teatro ou com os integrantes dos grupos que estão se apresentando no evento. O que me parece mais pungente na cena é a presença dos contrastes internos. O humor é simples, declarado, imediato. No entanto, o que chega para o espectador não é só o divertimento, mas um divertimento entrecortado de diversas outras sensações. Um dos contrastes mais visíveis da cena parece ser a instituição da espetacularidade mesmo sem a presença de números propriamente espetaculares. Os signos usados na encenação inscrevem a cena dentro de um contexto que não prevê uma atitude crítica, mas uma exibição de habilidades. O que a cena traz é exatamente o oposto, o deboche do virtuosismo. Assim, a comicidade vem à tona, mas recheada de comentários e de perguntas. A cena ta