Por Valmir Santos
A dramaturgia sempre tateante de Luiz Felipe Leprevost, no sentido táctil mesmo, desenha com cores gris as paisagens de dentro e de fora. Dos lugares, dos corpos, dos seres. Como nas figuras espectrais de Encostei minha angústia no sol. O texto conforma um arquétipo de família disfuncional permeada por incesto, inveja, assassinato. No entanto, a trama não é insinuada de mão beijada. As pistas são lançadas paulatina e principalmente por meio da linguagem textual: as frases que ficam no meio do caminho, precipitam de abismos pessoais sob desconfianças e agressividades.
Pai, mãe e filhas queimam suas memórias e realidades inventadas em torno do episódio em que uma das crias ateou fogo na casa. Esse elemento trágico não se adensa, aparentemente todos estão sob controle. Autocontrole de se saber suspenso no presente que escuta vozes do passado. “Não fale pela minha memória”, diz uma delas.
O autor pactua com o experimento sem perder a chance de arrematar versos entranhados na narrativa, como ao valorizar a fachada lúdica da palavra “gulodice”. Ou radiografar pés e dorso plantando metáforas para quem as lance com convicção. O elenco empenha-se nesse desafio, em particular Patricia Cipriano e sua alta voltagem nas expressões vocal e corporal. Há um momento em que ela chora copiosamente sem transbordamento, esbanjando consciência técnica.
A criação do grupo Teatro da Geada prospecta transformar-se em espetáculo. O trabalho continuado – Débora Vecchi e Ciliane Vendruscolo estavam na montagem anterior, O Butô de Mick Jagger – contribui decisivamente para que os porta-vozes dessas paragens de cena possam se apropriar dos desvios que saem da boca ficcional. Ao diretor Leprevost, resta libertar-se da gramática de atmosferas, despencar mais visceral na presença corpórea como Patricia Cipriano dá notícias. Deixar que os atores também deem seu “texto” pessoal e físico no encontro com a palavra leprevostiana.
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