Por Valmir Santos
Uma entrevista pornográfica de José Luiz Datena com a atriz Cicciolina, em 1990, abre a cena que plasma em vídeo os artifícios da sedução mercantil. Na manobra de massa televisiva que já adiantava o caráter do apresentador que hoje toma de assalto as tardes brasileiras. E na pele da estrela pornô convidada a mostrar o seio “com exclusividade” para a câmera da emissora, closes generosos também nos olhos postiços e na boca. A Companhia Silenciosa traz esse arquivo à tona para estilizar politicamente o corpo como objeto de mercadoria. O rosto decalcado da sociedade e do cidadão multifacetado pela cosmética, no que só pode soar irônica a declaração de Cicciolina de apostar mais em beleza interior.
Depois de tantos impropérios em pouco mais de três minutos de projeção em vídeo, a ação abdica da palavra e passa a se exprimir somente por imagens construídas ao vivo. Henrique Saidel é a figura que corporifica a hipertrofia do desejo na pele de borracha verde que o reveste dos pés ao coro cabeludo – uma boa ideia para a indústria do látex usar em propaganda de camisinha.
A movimentação é cerimoniosa e flerta com incógnitas. É do ventre de um peixe natural, simbolizado como falo, que sai uma máscara. Na palma da mão do homem-bile, essas vísceras lembram o impacto de Narciso diante do espelho d´água. O gesto detona o desmascaramento: uma, duas, três camadas... E o coro recém-introduzido também desfila seus rostos neutralizados e homogeneizados pela epiderme da dissimulação. Uma esfinge coral anestesiada que descartará a figura agora nua.
Cicciolina’s Breakfast é um exercício derivado da linha de pesquisa híbrida da Silenciosa, seu pé firme nas artes visuais e a disposição incondicional para confrontar temas tabus com riscos formais igualmente desestabilizadores.
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