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Mostrando postagens de 2010

O TREINADOR

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker A iluminação (de Nadja Naira) desponta como “personagem” importante em O Treinador, cena da Pausa Companhia para o texto de Will Eno. À medida que o treinador do título se revela diante do público, a luz localizada diante dele – uma luz produzida, de estúdio – é apagada e um foco de recorte mais abrangente ilumina a mesa onde se encontra frente aos espectadores, incumbidos de assumirem o “papel” de jornalistas numa coletiva de imprensa. No momento em que se levanta da mesa e assume como se apagou ao longo do tempo, a luz também diminui, deixando-o na penumbra, de modo a potencializar, sem reiterar, o seu discurso. Sob a direção de Rodrigo Ferrarini, o ator Gabriel Gorosito atua no registro da confissão. Destaca a vulnerabilidade do personagem, realçando o estado nas transições emocionais demarcadas com habilidade e talvez uma ênfase um pouco excessiva que, porém, não chega a comprometer o bom resultado do trabalho.

RG – 38 E MAIS NADA

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker As escolhas cênicas da diretora Adélia Carvalho reiteram, em medida considerável, o foco temático de seu texto: grandes sacos manipulados pelos atores trazem à tona o peso do mundo; o palco na penumbra iluminado por lanternas evidencia a incomunicabilidade na jornada de personagens que pouco se enxergam ou se escutam, temerosos em assumir verdades que entrem em choque com a moral social, com o patrulhamento e o preconceito vigente. Aquele que veste camisa clara, em oposição aos demais, é o que tem a coragem de dizer o que pensa e sente. O simplismo das opções (em especial, no cenário e nos figurinos de Walter Martins e na iluminação de Mauro Junior) da cena da Cia. Teatral As Medeias nubla, pelo menos parcialmente, as qualidades desse trabalho, tanto no que se refere ao próprio texto de Adélia Carvalho quanto às presenças vigorosas de alguns atores, bastante seguros na construção da fala.

SE CONSELHO FOSSE BOM SERIA AÇÃO DE CLASSIFICADOS

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker Para além da questão do vácuo afetivo que atravessa a cena do núcleo Cães Lacrimosos, Clovis Cunha e Ricardo Nolasco propõem um desafio no campo da atuação: a construção da narração, seja no que se refere ao distanciamento suscitado pelo uso de terceira pessoa para falar de si, seja, principalmente, à necessidade de presentificar a fala nos momentos de evocação de fatos passados. Clovis Cunha apresenta, com certeza, um dos trabalhos mais consistentes da 6ª Mostra Cena Breve de Curitiba. Dois atores/personagens não se olham e encaram o público de frente. Aos poucos, rompem essa demarcação rígida e se aproximam. Um encosta a cabeça no ombro do outro. Em off, flagrantes de desolação: som de ocupado, celular fora de área, descrição algo melancólica do cotidiano, música brega que comenta o estado emocional em questão. Os atores/diretores, valorizados pela iluminação de Henrique Saidel, estruturam a cena entre extremos de encontros e desenco

Prólogos

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker Mais do que a referência a Édipo, que permanece algo nebulosa no decorrer da cena, Prólogos suscita interesse por se inscrever no que parece ser uma das tendências do teatro contemporâneo: a tentativa de imprimir uma fala em primeira pessoa e a necessidade, quase que imediata, de recuar diante de uma exposição de risco. Em determinado momento, os atores da Companhia Subjétil (Patrícia Cipriano, Rafael Di Lari e Lucas Buchile) se identificam como indivíduos sem, porém, enveredar pelo pantanoso terreno da esfera pessoal. Não demora para os atores chamarem atenção para o fato de que todos têm as suas histórias, as suas próprias especificidades. As diferenças, portanto, servem de nivelamento, de ponto de equivalência. Uma problemática já realçada por importantes teóricos e encenadores, determinados a pesquisar o psiquismo e a encontrar uma estrutura comum, uma espécie de fio invisível que une todos os seres humanos. Sob a perspectiva do ator,

Calçolas

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker Calçolas escancara diante do público uma tomada de posição em relação à perpetuação da dependência e da subserviência da mulher que, mesmo após a derrocada dos tabus comportamentais e das instituições (a começar pela familiar), ainda sente insegurança em não aderir a um modelo de estabilidade traduzido no casamento em moldes convencionais. “Mulher, a sua felicidade está em mãos alheias?”, questiona a atriz Lisa Vietra, trajando um vestido de noiva, antes de começar a se desnudar frente à plateia. A obviedade do discurso desgastado, realçado pelo tom panfletário com que é proferido, prejudica a apresentação de Calçolas, trabalho do Núcleo Vagapara. Quase tudo soa deja vu: a comparação entre a contemporaneidade e a época do “sutiã queimado”, o destaque ao descompasso entre a escalada profissional feminina e a carência afetiva e o próprio desnudamento da atriz, como que se despojando de couraças e máscaras sociais. Apesar da potência com que

1999=10

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker A Cia. Quem somos Nós? propõe uma cena sugestiva: os integrantes entram carregando cadeiras, andando lentamente. Sentam-se, abrem jornais diferentes para, em seguida, rasgá-los de maneiras diversas. Um dos intérpretes começa a evoluir pelo espaço, evidenciando o contraste entre o figurino aprisionante (ternos e conjuntos) e a liberdade de movimentos. Ao longo da apresentação, momentos de descontrole também contrastam com figurinos tão compostos. Mas a questão delicada em relação a 1999=10, na concepção de Dudude Herrmann, diz respeito à dificuldade dos atores (ou bailarinos?) com a fala em cena. Os fragmentos de conversas que externam soam ao espectador como que ditos da boca para fora. Fica a impressão de que os intérpretes não são atravessados pelo que dizem. Numa época, como a atual, em que se problematiza tanto as fronteiras entre as manifestações artísticas, a partir de uma (pelo menos, em alguma medida) questionável defesa do caráter

LUA DE MEL

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker As chaves de leitura de Lua de Mel, cena da Cia. da Casa, são previamente anunciadas ao espectador. Um casal senta, de frente para o público, sobre caixas que guardam roupas de criança – evidência do funcionamento infantilizado da relação que será descortinada diante do público nos minutos seguintes. O fato de ambos se mostrarem sorridentes remete, de imediato, à euforia vazia que impera naquele relacionamento descrito em texto adaptado de original de Dorothy Parker. Os atores (Luiz Lucena e Maíra Weber) se valem de uma gesticulação excessivamente cotidiana. Suas atuações parecem limitadas ao âmbito da fala, ainda que Lucena projete, em alguma medida, a imagem de um corpo cansado, abandonado. Há, em todo caso, uma tendência a desenhar as modulações emocionais dos personagens – ela, da euforia à revolta e ele, da apatia à catarse – a partir de uma intensidade exteriorizada.

FÁBRICA DE NUVENS

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker Fábrica de Nuvens transita entre o evidente e o nebuloso. Daniel Toledo (acumulando as funções de ator, diretor e autor do texto) assume uma proposta de cena – relacionada, sobretudo, à construção de uma atmosfera asséptica, sublinhada por luminosidade fria. A “questão” temática, em contrapartida, demora a ultrapassar a esfera da insinuação (sem que isto se constitua como falha) até direcionar para a monotonia da vida dos personagens, funcionários de uma fábrica de nuvens(!), que provavelmente dão mais importância ao que dizem ou fazem para disfarçar um cotidiano tão pouco estimulante. “Eu queria virar nuvem. Morrer por um tempo. Depois voltar, achando tudo mais novo, mais doce”, assinala uma das personagens em trecho que inegavelmente sintetiza a fala do autor. Procedimentos de direção e atuação injetam frescor em Fábrica de Nuvens, trabalho do Núcleo Taz. Apesar de incorrer numa marcação frontal, recurso reincidente nas cenas da Mostra,

PIG LALANGUE

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker A apresentação de Pig Lalangue traz à tona uma espécie de recalque coletivo, relacionado à costumeira necessidade do público de sentir que entende completamente – domina, nesse sentido – aquilo a que assiste. O ator Gustavo Bitencourt, do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, conta para o espectador uma história em língua ininteligível. Confronta, portanto, a plateia com a falta de acesso a códigos capazes de elucidar o que está sendo dito. Há, como se pode perceber, uma problematização do conceito tradicional de conteúdo. O público precisa captar informações de fontes diversas do entendimento de uma história narrada. Pode interpretar Pig Lalangue a partir da proposta cênica – relativa a um “personagem” que fala em meio a uma goteira ininterrupta (elemento que aumenta a sensação de exasperação, já provocada pela impossibilidade de compreender o significado das palavras pronunciadas) e à inserção da cor (cabelo laranja, gravata roxa,

OS TRÊS TENORES

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker Cena de Concerto em Ri Maior , Os Três Tenores evoca o contraste entre o clown augusto e o clown branco – entre a malícia ingênua e popular do primeiro e certo esnobismo do segundo. É justamente a partir do jogo de opostos que a Cia. dos Palhaços procura extrair resultado, apostando na diferença entre o carismático e histriônico Sarrafo e o retraído músico russo Wilson Schevchenco. Em que pese o timing acertado e a habilidade dos atores Felipe Ternes e Eliezer Vander Brock (também responsáveis pelo texto), não há como deixar de assinalar um sabor deja vu imperante durante a apresentação. Afinal, a cena repousa sobre terreno já palmilhado: a brincadeira da tradução de um idioma para o outro (servindo à manipulação do discurso e aludindo à quantidade diferenciada de palavras para se dizer a mesma coisa), a referência a sucessos do cinema (Titanic e Um Lugar chamado Nothing Hill) e a estrutura de cenas independentes, como numa sucessão de ga

LARANJA MECÂNICA

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker Há uma tensão entre esforço de composição e sinceridade transbordante nessa apropriação, a cargo da Companhia de Bife Seco, de Laranja Mecânica. O diretor Dimis Jean Soares se esforça no sentido de buscar um modo de dizer o texto de Anthony Burgess e parece direcionar o ator Renato Sbardelotto para um registro estilizado e, ao mesmo tempo, para uma presença pautada pela disponibilidade em empreender um ato de auto-exposição. No decorrer da apresentação, porém, a vertente da composição/estilização se sobrepõe a uma desconcertante sinceridade que chama atenção no início da cena. A fala ritmada, a pronúncia precisa das palavras e, principalmente, a tensão evidenciada na quase imobilidade do ator (destaque para o filigranado movimento das mãos) adquirem um caráter quase hipnótico. Aos poucos, contudo, o tom buscado dá a impressão de realçar a contundência do texto, ao invés de produzir uma densidade resultante de uma espessura contrastante ent

COM AMOR

Foto: Elenize Dezgenisk Texto: Daniel Schenker A disposição em produzir “equivocações” no público norteia, em certa medida, a construção de Com Amor, cena da companhia Teatro de Breque. A diretora Nina Rosa Sá, a partir de texto de Luiz Felipe Leprevost (concebido em processo colaborativo), lança pistas enganosas, surpreendendo a plateia, a cada momento, ao mudar o direcionamento da cena. O espectador tem a falsa impressão de que domina o que assiste para, em seguida, ser desestabilizado por uma guinada. De início, vozes em off trazem à tona as várias fases de um relacionamento amoroso. Os atores Pablito Kucarz e Uyara Torrente dão partida a um texto que parece tão-somente ambicionar a identificação imeditada do público com a esfera cotidiana dos altos e baixos de uma relação, como tantas montagens dos dias de hoje. Em seguida, porém, começam a discorrer, de forma crua, sobre intimidade sexual, rompendo a possibilidade de um “agradável” processo de identificação. A projeção de imagens

Começou a 6ª Mostra Cena Breve

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