Foto: Elenize Dezgenisk
Texto: Daniel Schenker
A apresentação de Pig Lalangue traz à tona uma espécie de recalque coletivo, relacionado à costumeira necessidade do público de sentir que entende completamente – domina, nesse sentido – aquilo a que assiste. O ator Gustavo Bitencourt, do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, conta para o espectador uma história em língua ininteligível. Confronta, portanto, a plateia com a falta de acesso a códigos capazes de elucidar o que está sendo dito.
Há, como se pode perceber, uma problematização do conceito tradicional de conteúdo. O público precisa captar informações de fontes diversas do entendimento de uma história narrada. Pode interpretar Pig Lalangue a partir da proposta cênica – relativa a um “personagem” que fala em meio a uma goteira ininterrupta (elemento que aumenta a sensação de exasperação, já provocada pela impossibilidade de compreender o significado das palavras pronunciadas) e à inserção da cor (cabelo laranja, gravata roxa, copo verde) contrastando com a neutralidade do figurino.
Mais importante como porta de entrada a Pig Lalangue é o trabalho do ator, que imprime uma fala coloquial, distante da impostação, que ganha concretude com a gesticulação e pouco se altera com a entrada da trilha sonora. A partir de determinado momento, Gustavo Bitencourt investe, com frequência crescente, em distorções da própria voz, ainda que sem mudar, em grande parte, o registro da fala. Interferências sonoras invadem a cena (pulsação, sugestão de ato sexual) até o instante de catarse, cuja intensidade rompe, mesmo que brevemente, com a sobriedade do todo.
Comentários