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Clarissa Oliveira em 'Que Bom Que Você Entendeu...' } Elenize Dezgeniski |
A
Companhia Transitória encampa um depoimento antiviolência contra a mulher em “Que
Bom Que Você Entendeu Que Estou Tão Perdida Quanto Você”. Proposição tudo a ver
com as letras de uma banda californiana que marcou a década de 1990 com pegadas
punk e grunge, o Hole, influência confessa da diretora e dramaturga Nina Rosa
Sá e cujas canções, em geral, versam sobre os malefícios da sociedade
patriarcal, permissiva ao assédio, às agressões física e psicológica, à cultura
do estupro. Questões de identidade, de sexualidade e de imagem corporal que
aparecem, por exemplo, na letra de “Celebrity Skin” (pele de celebridade, 1998),
interpretada pela vocalista e guitarrista Courtney Love. Há uma atitude
independente e indignada na disposição e nas falas das atrizes Ludmila
Nascarella, Clarissa Oliveira e Ana Larousse. Seus discursos afirmativos são
unívocos (efeito colateral do tom monocórdio das vozes, diga-se). Elas se posicionam
com propriedade e conhecimento de causa, por assim dizer. Enquanto cocriadoras,
deixam entreouvir experiências autobiográficas, ou não, em relatos de conexão
universal relativos a relacionamentos afetivos e sociabilidades arranhadas. A
camiseta que costuma estampar protestos resulta em principal dispositivo. As
atrizes trocam uma por outra e põem novamente, de acordo com o tópico que lhe
cabe na deixa. Roupas como as dessas figuras também aparecem suspensas em
varais, com dizeres e cores outras. O nome de Elza Soares é lida numa daquelas que
as atrizes usam. Nos relatos, as agruras da primeira relação, a decepção com o
amigo gay que reproduz machismo, a lembrança de ter sido coagida a transar sem
que o quisesse, entre outras situações. O trio de atrizes tem presença
discreta, como se compenetrado numa ação performativa. Ao final, uma quarta participante,
a artista plástica Ivana Lima, maneja cartazes de uma canção. A postura musical
que pautou tudo que se viu e ouvi até aqui (tons em penumbra na luz e na maior
parte dos figurinos) de fato ancora a cena e termina com a participação de uma
banda ao vivo, formada só por mulheres (como toda a equipe de criação de “Que
Bom Que Você Entendeu...”). Trata-se de uma banda que não existe oficialmente,
cantando em inglês. Um quarteto de duas atrizes e duas musicistas convidadas. Essa
inspiração pop não alivia a gravidade do que essas mulheres artistas têm a
dizer e reagir poeticamente, ao contrário. (Valmir Santos)
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Cena da Transitória é inspirada na canção 'Celebrity Skin', do Hole } Elenize Dezgeniski |
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