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Marcel Szyman e Janaína Matter em 'A Pequena Sereia' } Elenize Dezgeniski |
A julgar pelo que se experimenta em “A Pequena Sereia”, a transposição de fábulas para a cena contemporânea é uma tarefa que a Setra Companhia de Teatro se dá com o devido senso de complexidade dessa operação. Não se vai ao conto de Andersen, de 1837, para fazer tábula rasa. Menos ainda quando a voga do sereismo, seja lá o que isso for, vira praga disseminada pela teledramaturgia que consegue embalar até a cauda dessa figura para vender. Dois movimentos conformam essa narrativa desconstruída para discutir questão de gênero, pelo menos a camada mais evidente. No primeiro, Janaína Matter e Marcel Szymanski compõem dueto para voz única, a da personagem-título. O olhar longo e circunspecto do ator rastreia a plateia de um ponto a outro, antes de soltar: “Eu sou a Pequena Sereia”. Ele senta e conta sobre o quanto desejava emergir à superfície e, quando assim o fez, encontrou um homem a quem salvou de um naufrágio, o deitou na areia e partiu, retornando à vida submarina. Logo a atriz senta ao lado e as falas superpostas permitem auscultar como a paixão dele ou dela são simétricas e demasiado humanas. Uma cauda inflável azul, no colo do homem, e o busto de um manequim masculino, no colo da mulher, dizem sobre as variações do desejo que não se limitam à convenção binária. A superposição dialógica é bem humorada e atrai a atenção própria do tom fabular do que está sendo dito e transportado para nosso imaginário. No segundo movimento, Janaína e Marcel recuam para o plano do fundo do palco. A luz, estável na primeira parte, agora desenha literalmente um espaço e um tempo etéreos. É lá desde lá que ouvimos, em registro mais dramático, a menina sereia aflita ao conversar com sua avó a respeito das dores de amores e das realidades de quem vive na terra e de quem habita o misterioso e mítico fundo do mar. Uma vez expostas as realidades, a dramaturgia de Mariana Mello e a direção de Eduardo Ramos deixam pairar sobre as cabeças da audiência uma baita interrogação – de como esse material evoluiria a espetáculo, ou não – e se desobrigam da mensagem ou da moral fabular nessa história tão próxima e tão longe. (Valmir Santos)
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A criação da Setra Companhia desconstroi fábula de Andersen } Elenize Dezgeniski |
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