Por Valmir Santos
Quintal, da Casca de Nós Companhia de Teatro, são duas crianças, a "velha" e a "nova", corresponsáveis por elas mesmas e cocriadores do reino da invenção que lhes permite dobrar a realidade. Dois meninos em busca de um pai que se foi. A esperança de sua volta é o que sustenta o realismo fantástico do mundo que eles carregam por meio de suas roupas, a lata d’água, as bolinhas. Do início ao fim, o espaço nu ganha composições por meio das mãos da dupla que o constrói ou o desmancha. Na primeira sessão no Novelas Curitibanas, as janelas abertas vazam a luz do dia, árvores e prédios. Os atores adentram, fecham as esquadrias e o escuro concorre com os primeiros fiapos luminosos da cena.
Estamos pisando um universo pequeno, que cabe na ponta de uma agulha, como informa a imagem inicial da dramaturgia banhada em lirismo rapsódico, aquele que mistura vozes narradoras e diálogos no transcorrer da ação, trazendo ecos da infância nos contos e romances de Guimarães Rosa em que a brincadeira com ossos animais simbolizam as formas da imaginação resistir e erguer beleza diante do precário. Mas quem ocupa a terceira margem do rio aqui é a poesia de Manoel de Barros, inspiração mor.
A direção de Joaquim Elias dá conta de apresentar percursos e paisagens do texto depositando tudo na presença dos atores, no corpo transportador dos sonhos, das fantasias e das dores. Nas atuações de Francis Severino e João Filho, este também o dramaturgo, enxergamos a beira do rio e somos cúmplices do caçula no sequestro da água a ser punido pelo pai do céu e da terra, como provoca em momento de descontração o primogênito, um ser que cuida e roga ser cuidado numa oração. O pendor cristão é insinuado na relação culpa/pecado, mas não se sobrepõe ao sagrado em sua dimensão mais essencial, despida do dogma.
O ato de correr em círculo sugere a temporalidade que também está contida na palavra. Um texto sobre o abandono e cuja extração poética aponta o diagnóstico contundente sobre a ausência dos adultos, um tema urgente nas sociedades contemporâneas ao questionar o que elas estão fazendo com suas crianças.
Observação: texto reescrito a partir das impressões anotadas na apresentação de Quintal, em junho de 2011, no âmbito do 12º Festival Cenas Curtas organizado pelo Galpão Cine Horto em Belo Horizonte.
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