Pular para o conteúdo principal

Ser e desaparecer

Buchile e Vanessa seriam Sophia e Brando
Foto: Lidia Ueta


Por Valmir Santos

Como esses dois rostos e corpos consagrados do cinema sobreviveriam na era da saturação das imagens? Em Sophia Loren Não É Marlon Brando, a Companhia Subjétil coloca as duas épocas em contraste (o presumido glamour dos anos 1950 e 1960 e o pastiche atual). Ser e parecer são os verbos expostos em crise de auto-estima ou em seu excesso. Os biótipos de Vanessa Benke e Lucas Buchile estão longe das silhuetas em pauta. Ótimo ponto de partida.

O texto e a direção de Darlei Fernandes jogam com as contradições da imagem. Suas figuras querem ser vistas, seguem o script nos gestos e vestimentas, na sedução a toda prova. Elas são trazidas para o espaço cênico arrastadas por um homem que faz às vezes de um diretor, seu clichê. É ele quem, afinal, inicia tudo ao adentrar pela janela do teatro, megafone em punho. Redivivos, a Sophia e o Brando de Vanessa e Buchile discursam sobre a consciência de serem eles mesmos ou serem outros. Ela é mais desenvolta nesse trânsito.

Os ícones evocados acabam ratificando o desgaste da reprodutibilidade nos dias atuais. São apêndices na dissertação da Subjétil sobre o imperativo do descartável . O conteúdo desse processo resvala de modo parcial na analogia do aceleramento midiático moldando as relações. A transposição para a cena derrapa no anedótico, engolida justo pela força dos emblemas que elege. A crítica termina em baixo relevo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Coração acéfalo/Boca desgarrada - Companhia Subjétil

A cena da Companhia Subjétil apresenta uma característica interessante dentro do contexto da Mostra: a construção da dramaturgia para os sugeridos 15 minutos de apresentação em uma dinâmica coerente com a utilização do tempo. Na maior parte das outras cenas assistidas até agora, mesmo nas que foram pensadas especificamente para a Mostra, a duração ficou um pouco marcada como uma premissa externa – seja por insuficiência de tempo para que o espectador encontre um fio condutor para si, seja por uma tentativa de preencher os quinze minutos com o maior número possível de signos. “Coração acéfalo/Boca desgarrada” tem uma cadência própria. Em outras apresentações, os 15 minutos foram divididos em mais de uma cena, às vezes cada uma com uma tônica diferente. Isso não é necessariamente um problema, afinal a Mostra abre possibilidades para uma variedade de propostas, mas dentro de um horizonte de convivência, me pareceu que essa particularidade da cena da Companhia Subjétil fez uma diferença pa

Sem pena

O performer Zé Reis na provocadora cena 'Pós-Frango'  }  Elenize Dezgeniski A objetificação da mulher é tão brutal na sociedade machista que quando ocorre o inverso – o corpo masculino tratado como carne na vitrine –, poucos se dão conta. A performance Pós-frango faz uma articulação estética e filosoficamente bem urdida dessa espécie de contradição. O ator e dançarino Zé Reis, da companhia brasiliense Errante, perpassa imagens figurativas e disruptivas. Pelado, ele alude a estereótipos e convenções a partir de um corpo escultórico, evidenciando músculos que servem ao gogo boy ou ao fisiculturismo. E à arte, claro. Como as aparências enganam, mas, enfim, aparecem – já dizia Leminski –, os desfazimentos dessa plasticidade fútil por volumes e relevos outros tornam as suspensões poeticamente forjadas nesse mesmo corpo sobreposições maleáveis e sofisticadas desse mesmo material capturado do registro grosso da paisagem urbana. Estendido de uma ponta à outra na dianteira do palc

Prêtà-porquê – Cia portátil

A cena da Cia Portátil, assim como a cena que se apresentou logo antes, da Cia 5 cabeças, também atingiu um ponto de relação com o espectador que abre possibilidades para a Mostra agregar um público espontâneo, que não está comprometido com o teatro ou com os integrantes dos grupos que estão se apresentando no evento. O que me parece mais pungente na cena é a presença dos contrastes internos. O humor é simples, declarado, imediato. No entanto, o que chega para o espectador não é só o divertimento, mas um divertimento entrecortado de diversas outras sensações. Um dos contrastes mais visíveis da cena parece ser a instituição da espetacularidade mesmo sem a presença de números propriamente espetaculares. Os signos usados na encenação inscrevem a cena dentro de um contexto que não prevê uma atitude crítica, mas uma exibição de habilidades. O que a cena traz é exatamente o oposto, o deboche do virtuosismo. Assim, a comicidade vem à tona, mas recheada de comentários e de perguntas. A cena ta