Pular para o conteúdo principal

As armadilhas da farsa

Atores da Companhia Visceral em Realidades Irreais
Foto: Elenize Dezgeniski


Por Valmir Santos

A investigação da comicidade popular num encontro tomado por anseios formais e reticentes a gêneros seria uma distinção e tanta na última noite da Mostra Cena Breve. Os recursos da farsa identificados no início de
Realidades Irreais, porém, logo se revelam frágeis, a despeito do projeto de pesquisa informado pela Companhia Visceral.

O sexteto de atores é aguerrido nos tipos que abraça, pisa o espaço cênico a tentar nos convencer da arquitetura visível e invisível do sobrado posto à venda e alvo de todo o quiprocó. E as intenções artísticas não se concretizam. São risíveis, isto sim, a impossibilidade de se visualizar subidas e descidas de escada, o plano do andar de cima, a maneira um tanto atabalhoada como os personagens transitam. Na farsa, é natural que as atuações tangenciem a caricatura. Um meio, não um fim em si mesmo. Eis o limite.

Estamos diante de um exercício de formação com suas potencialidades plenas. As artimanhas sugeridas no texto não se instalam nas interpretações e nem nas soluções de espacialidade apresentadas. A continuidade da pesquisa pode lapidar esse processo.

O autor e diretor Alexandro Tenório é dos mais proeminentes tradutores e diretores do teatro realista inglês e suas gradações. Já montou muitos Harold Pinter em São Paulo e mais recentemente Jon Fosse, David Harrower e Alan Ayckbourn. Curioso e positivo encontrá-lo ao lado desse núcleo de jovens experimentando camadas outras em dramaturgia e atuação.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Coração acéfalo/Boca desgarrada - Companhia Subjétil

A cena da Companhia Subjétil apresenta uma característica interessante dentro do contexto da Mostra: a construção da dramaturgia para os sugeridos 15 minutos de apresentação em uma dinâmica coerente com a utilização do tempo. Na maior parte das outras cenas assistidas até agora, mesmo nas que foram pensadas especificamente para a Mostra, a duração ficou um pouco marcada como uma premissa externa – seja por insuficiência de tempo para que o espectador encontre um fio condutor para si, seja por uma tentativa de preencher os quinze minutos com o maior número possível de signos. “Coração acéfalo/Boca desgarrada” tem uma cadência própria. Em outras apresentações, os 15 minutos foram divididos em mais de uma cena, às vezes cada uma com uma tônica diferente. Isso não é necessariamente um problema, afinal a Mostra abre possibilidades para uma variedade de propostas, mas dentro de um horizonte de convivência, me pareceu que essa particularidade da cena da Companhia Subjétil fez uma diferença pa

Sem pena

O performer Zé Reis na provocadora cena 'Pós-Frango'  }  Elenize Dezgeniski A objetificação da mulher é tão brutal na sociedade machista que quando ocorre o inverso – o corpo masculino tratado como carne na vitrine –, poucos se dão conta. A performance Pós-frango faz uma articulação estética e filosoficamente bem urdida dessa espécie de contradição. O ator e dançarino Zé Reis, da companhia brasiliense Errante, perpassa imagens figurativas e disruptivas. Pelado, ele alude a estereótipos e convenções a partir de um corpo escultórico, evidenciando músculos que servem ao gogo boy ou ao fisiculturismo. E à arte, claro. Como as aparências enganam, mas, enfim, aparecem – já dizia Leminski –, os desfazimentos dessa plasticidade fútil por volumes e relevos outros tornam as suspensões poeticamente forjadas nesse mesmo corpo sobreposições maleáveis e sofisticadas desse mesmo material capturado do registro grosso da paisagem urbana. Estendido de uma ponta à outra na dianteira do palc

Prêtà-porquê – Cia portátil

A cena da Cia Portátil, assim como a cena que se apresentou logo antes, da Cia 5 cabeças, também atingiu um ponto de relação com o espectador que abre possibilidades para a Mostra agregar um público espontâneo, que não está comprometido com o teatro ou com os integrantes dos grupos que estão se apresentando no evento. O que me parece mais pungente na cena é a presença dos contrastes internos. O humor é simples, declarado, imediato. No entanto, o que chega para o espectador não é só o divertimento, mas um divertimento entrecortado de diversas outras sensações. Um dos contrastes mais visíveis da cena parece ser a instituição da espetacularidade mesmo sem a presença de números propriamente espetaculares. Os signos usados na encenação inscrevem a cena dentro de um contexto que não prevê uma atitude crítica, mas uma exibição de habilidades. O que a cena traz é exatamente o oposto, o deboche do virtuosismo. Assim, a comicidade vem à tona, mas recheada de comentários e de perguntas. A cena ta