Por Valmir Santos
A cena As Rosas no Jardim de Zula é um exemplo da interposição do real com a ficção, um procedimento que é caro ao cinema nacional, principalmente ao documentarista Eduardo Coutinho – ele que, não por acaso, anda às voltas com recursos da teatralidade em seus filmes. A criação coletiva traz à tona a história de uma mulher que exerceu a prostituição. Zula teve várias histórias de amor com suas amigas de trabalho e, certo dia, decidiu se casar com um mecânico e ter filhos, entre eles a atriz Talita Braga, que assume o fundo autobiográfico na dramaturgia coordenada por Sérgio Abritta.
Seguindo o raciocínio a partir da cena, a mãe foi entrevistado pela equipe de criação, conforme declarações na voz em “off” ou nas imagens exibidas no desfecho. Esse estado de ser ou não ser vai descamando durante a apresentação de forma suave, ainda que sua temática seja dura, contundente ao tratar do amor lésbico e sua afirmação – ou seja, a sua perseguição e preconceito nos ambientes e cotidianos de um bordel. Às misérias materiais são costuradas as migalhas afetivas, o terreno da diversidade raramente visitado nas pesquisas sociológicas de campo.
O realismo dominante nas falas, cenários e objetos, como o varal de roupas estendidas e uma faca, e a interpretação na chave da mimese corporal e vocal das personagens vividas por Andréia Quaresma e Talita, essas instâncias chapadas, digamos assim, convivem com uma atmosfera onírica conciliada pelas fotografias projetadas do passado.
Na primeira sessão dentro da Mostra Cena Breve, ambas demonstraram o mesmo registro brejeiro de atuação na estreia da cena cinco meses atrás, em Belo Horizonte. Acanhamento na hora do beijo ou de despir-se para colocar o vestido de noiva, por exemplo. Um “desnudamento” que talvez a própria Talita tenha que fazer quanto a sua filiação nessa corajosa história transposta para palco. Há senões no excesso de condução pela trilha musical, muleta emocional, e na brusquidão de uma sequência à outra. De qualquer modo, as atrizes constroem gestos e tempos que conformam uma poética para os flashes da descoberta do desejo na perspectiva romântica da mulher que atravessou escuridões e em alguns momentos encontrou luz no final do túnel, como relatou. A emoção de lidar é valorizada na cena. A inscrição “universo” na camiseta da Zula real entrevistada em vídeo expressa o tamanho do desafio ao qual a equipe se propôs.
Observação: texto reescrito a partir das impressões anotadas na apresentação de As Rosas no Jardim de Zula, em junho de 2011, no âmbito do 12º Festival Cenas Curtas organizado pelo Galpão Cine Horto em Belo Horizonte.
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