Cenas de Quebre seu porquinho, criação do Teatro Albatroz, de Belo Horizonte, inspirada em Caio Fernando Abreu
Belo Horizonte tem preenchido capítulo à parte no teatro destes anos zero-zero. Há uma geração de criadores, não necessariamente novos em termos cronológicos da vida, que se aventuram em trabalhos pontuados pelo despojamento nos recursos da cena, uma reinvenção muito peculiar da escrita expandida para além da palavra e a eleição de temas às vezes extremamente singelos e mobilizadores.
Recém-ingressadas no grupo Teatro Albatroz, este com anos de estrada, as atrizes Júlia Branco e Ludmila Ramos se aproximam dessa leva com a cena Quebre seu porquinho, destacada no Festival Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, um ano atrás. Ao lado de Wester de Castro, que assina dramaturgia e co-direção com as mesmas, elas tomaram um conto de Caio Fernando Abreu como ponto de partida, Para uma avenca partindo, com atalhos para Julio Cortázar ou mesmo depoimento pessoal.
Movidas pelo “intangível” reafirmado a todo instante na estrutura narrativa em forma de carta endereçada por Caio, a dupla valoriza as ações físicas, às vezes demais da conta, diga-se, no afã de preencher vazios que são inerentes ao conto-motriz. Não que os silêncios, os respiros e os choros sejam alijados, eles refletem o sentimento do abandono e aqui estão contextualizados. Há um ônibus a sair, alguém na plataforma, alguém sentado lá dentro, pode-se supor. Uma e Outra, as vozes partidas do ser, deslizam pela parede do poço desse amor em desenlace, mas com direito a gerar fusões faladas mais por meio do corpo do que por meio da língua.
Quando porquinhos despencam do alto, impossível não recordar os abacates voadores em Por elise, do grupo Espanca!, também embrionário de uma cena breve. É nessa reta final que Quebre seu porquinho contorna melhor a falta de economia gestual. A luz densa, o gelo-seco suave, os pedaços de porquinhos de gessos que forram o chão e as duas intérpretes que caminham lentamente em direção opostas, saindo do palco, configuram a cerimônia de adeus a que testemunhamos.
Pensando bem, Quebre seu porquinho não é um bom título. A remissão ao animal imundo parece contraditória a tudo que se jogou nessa história (abre para leituras de um cofrinho, da mais-valia nas relações, do vil metal). E há uma fixação em replicar os porquinhos em cena, a ponto de uma das atrizes contracenar com ele quase como que medindo o focinho. Sei não. Fica unilateral. A baixeza, o mau-caratismo daqueles que se vão precisam ser descritos assim mesmo?
Aliás, no debate do dia seguinte, Francisco Medeiros, que dirigiu Encontros com Caio Fernando Abreu em 2006 no Núcleo Experimental do Teatro Popular do Sesi, em São Paulo, comentou que o seu ponto de vista sobre esse conto é o da perpetuação do encontro, e não o da despedida, apesar da distância física que a partir dali é concretiza.
Em tempo: a também mineira Companhia Luna Lunera criou um Caio memorável recentemente, Aqueles dois, espetáculo-conto atualmente em cartaz no Sesc Avenida Paulista.
Comentários
Parabéns a elas e aos organizadores da Mostra !
gratos pela sua colaboração. e por ampliar horizontes.
então é um pouco do que canta Lenise: "Se na cabeça do homem tem um porão/ Onde moram o instinto e a repressão/ O que tem no sótão?"
nosso abraço!
nossa arte é feita desses encontros, únicos e plenos de significados no coração de cada um, no palco ou na platéia.
nosso abraço!
Espero voltar muito em breve!
Obrigada.