fotos: Elenize Dezgeniski
O grotesco, o manifesto e a intervenção do lado de fora do teatro em cenas de Gambiarra, com o grupo Elenco de Ouro, de Curitiba
O grotesco, o manifesto e a intervenção do lado de fora do teatro em cenas de Gambiarra, com o grupo Elenco de Ouro, de Curitiba
Nas edições do Festival de Curitiba, o Fringe paralelo costuma ser freqüentado por espetáculos locais que amam abusar do trash, do lixo, um álibi para o grotesco (do qual passam longe) e um atalho para expurgar as fixações com os temas sexuais. Não chegam a agredir, não ambicionam nada além do deboche e da bilheteria, já que a platéia é bastante assídua, infelizmente.
Gambiarra, do Elenco de Ouro, tangencia esse mundinho trash e consegue emergir com mais tutano. A começar pela dramaturgia, de rara extração politizada, a serpentear questões-chave para os brasileiros e, sobretudo, paranaenses que fazem fronteira com o Paraguai, cuja Guerra da Tríplice Aliança é bem lembrada.
A partir do preconceito com o vizinho, o autor e diretor Cleber Braga, que trabalhou com Amir Haddad (grupo Tá na Rua, do Rio), avança para outros estereótipos na construção de imaginários.
De largada, a encenação expõe viés maniqueísta com bandeiras que estampam Che Guevara, de um lado, e o símbolo da Nike, de outro. E consegue ir além dessas oposições estanques, colocando em xeque a língua, o portunhol como uma das gambiarras, dos jeitinhos que nos condenam e nos salvam.
Um dos achados do Elenco de Ouro está na subversão do espaço, com atores ocupando assentos na platéia, feito um de nós, espectadores, e surpreendendo em suas intervenções. Como a da moça que interrompe a ação questionando “quem curou essa porcaria”, mais ou menos nessas palavras, referindo-se com ironia à Mostra que acolhe as fronteiras entre ficção e realidade e é engolida pela mesma ironia criativa desse coletivo.
No desfecho, os artistas vão para a rua e um telão exibe cenas externas pré-gravadas. Ao sair do local, o público observa o elenco de fato na rua, com figurinos, adereços e gritos de guerra carnavalescos. Curitiba tem pouca tradição em teatro de rua. Esse tipo de trabalho cutuca também a aura retraída dos moradores, os vestígios provincianos.
A performance é disparadora a contento, como desejamos de uma cena breve, mas ainda há muito por lapidar nesse Elenco de Ouro. Seus atuadores compõem posturas, olhares e enunciações que dificilmente correspondem à sofisticação das idéias que propagam em relâmpagos poéticos. O agito também é Arte e pede domínio técnico. O ofício sua. Até para desnudar sutilezas no grotesco.
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