Pular para o conteúdo principal

A vastidão do mundo

Tomo a Mostra Cena Breve como painel de embriões de espetáculos que virão a ser, como o projeto sugere ou contorna. É a primeira vez que acompanho um encontro ponta a ponta.

Não faz muitos anos, em Belo Horizonte, assisti, em noite única, aos melhores trabalhos contemplados numa edição da Festival Cenas Curtas organizado pelo Galpão Cine Horto. Entre os experimentos, foi apresentada a seqüência do que depois virou o Por elise do grupo Espanca!, evolução claramente conectada àquela gênese, como não poderia deixar de ser.

Ontem, na noite de abertura, aqui em Curitiba, os três movimentos transmitiram, cada um a seu modo, o quanto uma proposta pode soar reducionista, na acepção mais direta da palavra, ao condensar (leia-se sacrificar) o espetáculo pronto (na medida em que possamos entendê-lo como tal) ao formato de estudo em processo da Mostra, como me pareceu 15 minutos para Ofélia; o quanto uma proposta pode não conseguir editar um recorte, um caminho a contento para atender ao ¼ de hora e deslancha a servir a entrada, o prato principal e a sobremesa, como fez Árvores abatidas; ou simplesmente o quanto uma proposta simplesmente joga dentro das regras (sim, há um regulamento), mobiliza o espectador e nos deixa com vontade de quero mais para saber aonde ou onde vão dar com aquele filhote, vertente atendida por Aranha marrom não usa Roberto Carlos, a começar pelo título.

Não estou me rendendo aos ponteiros do relógio, mas à percepção do que podemos pressupor de cenas curtas, de insights, de haicais que carecem da síntese para maravilhar o mundo em suas três linhas, seis palavras e um trilhão de significados.

Os posts a seguir passeiam brevemente pelas três primeiras viagens da Mostra.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Coração acéfalo/Boca desgarrada - Companhia Subjétil

A cena da Companhia Subjétil apresenta uma característica interessante dentro do contexto da Mostra: a construção da dramaturgia para os sugeridos 15 minutos de apresentação em uma dinâmica coerente com a utilização do tempo. Na maior parte das outras cenas assistidas até agora, mesmo nas que foram pensadas especificamente para a Mostra, a duração ficou um pouco marcada como uma premissa externa – seja por insuficiência de tempo para que o espectador encontre um fio condutor para si, seja por uma tentativa de preencher os quinze minutos com o maior número possível de signos. “Coração acéfalo/Boca desgarrada” tem uma cadência própria. Em outras apresentações, os 15 minutos foram divididos em mais de uma cena, às vezes cada uma com uma tônica diferente. Isso não é necessariamente um problema, afinal a Mostra abre possibilidades para uma variedade de propostas, mas dentro de um horizonte de convivência, me pareceu que essa particularidade da cena da Companhia Subjétil fez uma diferença pa

Sem pena

O performer Zé Reis na provocadora cena 'Pós-Frango'  }  Elenize Dezgeniski A objetificação da mulher é tão brutal na sociedade machista que quando ocorre o inverso – o corpo masculino tratado como carne na vitrine –, poucos se dão conta. A performance Pós-frango faz uma articulação estética e filosoficamente bem urdida dessa espécie de contradição. O ator e dançarino Zé Reis, da companhia brasiliense Errante, perpassa imagens figurativas e disruptivas. Pelado, ele alude a estereótipos e convenções a partir de um corpo escultórico, evidenciando músculos que servem ao gogo boy ou ao fisiculturismo. E à arte, claro. Como as aparências enganam, mas, enfim, aparecem – já dizia Leminski –, os desfazimentos dessa plasticidade fútil por volumes e relevos outros tornam as suspensões poeticamente forjadas nesse mesmo corpo sobreposições maleáveis e sofisticadas desse mesmo material capturado do registro grosso da paisagem urbana. Estendido de uma ponta à outra na dianteira do palc

Zona erógena e cócegas

Cena  parte de texto de catalão e é dirigida por André Carreira }  Elenize Dezgeniski Em “Romeu e Julieta”, o frei Lourenço afirma que “Esses prazeres violentos têm finais violentos/ E, em seu triunfo, morrem como o fogo e a pólvora./ Que se consomem quando se beijam”. Para além do fundo histórico e social da tragédia, a impossibilidade da consumação do amor juvenil em Shakespeare talvez nos diga mais sobre a sabotagem dos desejos na contemporaneidade. Um prolongado beijo entre personagens que se dizem irmãos, ele e ela, é um dos múltiplos ruídos propositalmente desestabilizadores em “La Belle Merde”, do Grupo Teatral (E)xperiência Subterrânea, de Florianópolis. A objetividade científica da forma expositiva vem associada à apresentação de seminário ou conferência que aparenta se passar em sala de convenção ou sala de aula, ainda que sugira a neutralidade de um ambiente com uma cadeira e uma mesa discretas, além da luz invariável. Os atores Lara Matos, Lucas Heymanns e Marco Antoni