Cena de Av. Pindorama, 171, criação coletiva do Teatro 171, de Belo Horizonte
Coube a um trabalho mineiro o encerramento da Mostra na noite de segunda-feira. Av. Pindorama, 171 foi um dos selecionados este ano para o Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto,
O espírito da carnavalização baixou no palco da Caixa Cultural com os “netos da Tropicália” que combinaram, entre outros tons e cores, deboche e crítica social sem cair no discurso. A partir do que se entende por um retrato local, a dramaturgia coletiva e a direção de Henrique Limadre promovem um vôo rasante sobre as periferias metropolitanas do Brasil, tão próximas e tão longes do sistema de moer gente que são os tempos financistas que correm.
Uma estética pobre atravessa figurinos e adereços hiperbólicos, como a espelhar os clichês do que é revestido como popular na cultura brasileira - palavras-chave que por si só dariam o que falar da proposta. Estão lá o camelô, o entregador de pizza, o caminhoneiro e outros tipos. Também há referências aos veículos de comunicação de massa. Mas foge-se do plano das idéias, tão-somente. Imprimi-se musicalidade, bom humor com um quê de Adrubal Trouxe o Trombone, o grupo carioca dos irreverentes anos 70. Aqui, o desbunde não engole a si mesmo, transcende, não disfarça contundência.
O mais instigante é acompanhar como em paralelo ao aparente caos de “subcenas” transcorre a narração de uma tragédia, um atropelamento que abala o pedaço. Certa noção de comunidade é posta em relevo: a capacidade de parodiar desgraças, de perseverar diante das dificuldades, de mobilizar-se quando o calo aperta. Misturam-se também planos da ficção com o que intuímos ser depoimentos pessoais pelos intérpretes-criadores.
Contudo, há uma derrapagem nessa experiência: quando um morador de rua aparece na cena final para colhe bananas espalhadas no asfalto por conta do referido acidente. É uma introdução brevíssima de um não-ator incorporado ao projeto, como a dizer que o real invadiu de fato a cena. O problema é que a concessão põe por água toda a plataforma artística erguida até ali para dar um recado com muita criatividade e fundamento.
O público não sabia que esse integrante era um morador de rua de fato na capital mineira. E por que uma participação de segundos? Proporcional à sua “invisibilidade” social ou reafirmação da mesma por meio do teatro, o que é mais gritante? A passagem lembra situação parecida sobre a qual discorremos no projeto da Companhia Silenciosa. Fica no ar: qual o limite dessa “incorporação”, se é que podemos pensar assim.
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