fotos: Luana Navarro
Cenas de Sobre reparações necessárias, investigação da Obragem Teatro e Companhia, de Curitiba
Nada maior ou menor que um toque, dizia o bordão de uma finada revista da editora Brasiliense, nos anos 80. Das letras para a pele, Sobre reparações necessárias intenta decalcar do corpo marcas de resignação e perversão humanas. Desdobra-se a missão de, nelas, entre elas, iluminar o paradoxo da resiliência, a tal da propriedade física que converte a deformação ao que antes lhe fora essência. Essa vereda da curitibana Obragem Teatro e Companhia é percorrida não sem poucos estranhamentos que, na recepção, geram ruídos e fluídos bons.
É pesquisa de poucas concessões, vide o esmero artístico, porém seus criadores não economizam afeto em traduzir certos desvios da afetividade, ou ausência desta, na vida como ela está. Divisamos seres entre a carne e o verbo, a memória e o apagador, a visão e a cegueira, tudo nem tão gangorra assim nos duos e trios revezados por Eduardo Giacomini, Fernando de Proença e Ronie Rodrigues. Camisetas, calças jeans, indicam predisposição à informalidade cotidiana limpas de mimese ou virtuose, pois que afeto e afetação se excluem.
Servindo-se de recursos do naturalismo, o experimento “diz” isso com uma escrita de gestos e movimentos desprovidos de aporte cenográfico. O plano de luz beira o geral, mas é suavidade que rima profundidade no corredor em cruz: fundo, boca-de-cena e laterais. Às vezes, um dos atores-dançarinos atravessa o horizonte do olhar do espectador. Igual caminho é o da incorporação do depoimento pessoal de um dos intérpretes que avança em memórias-alicerces.
A expressão não-dramática de sua fala é desviada para um vasculhar de imagens. O público é convidado a entrar na casa dos avós do rapaz, redivivos por meio do solilóquio de cômodos e paredes feito os órgãos, um coração que pesa, um cérebro que perpassa. O que fazer daquilo que fomos? O que fazer daquilo que não fomos? São questões que dançam no que somos, tratores ensimesmados e pássaros longe do ninho - e dentro da gaiola do mundo percebido pela equipe da diretora Olga Nenevê.
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