A cena da Cia Portátil, assim como a cena que se apresentou logo antes, da Cia 5 cabeças, também atingiu um ponto de relação com o espectador que abre possibilidades para a Mostra agregar um público espontâneo, que não está comprometido com o teatro ou com os integrantes dos grupos que estão se apresentando no evento.
O que me parece mais pungente na cena é a presença dos contrastes internos. O humor é simples, declarado, imediato. No entanto, o que chega para o espectador não é só o divertimento, mas um divertimento entrecortado de diversas outras sensações. Um dos contrastes mais visíveis da cena parece ser a instituição da espetacularidade mesmo sem a presença de números propriamente espetaculares. Os signos usados na encenação inscrevem a cena dentro de um contexto que não prevê uma atitude crítica, mas uma exibição de habilidades. O que a cena traz é exatamente o oposto, o deboche do virtuosismo. Assim, a comicidade vem à tona, mas recheada de comentários e de perguntas.
A cena também brinca com a estrutura ilusionista da caixa preta do teatro, aproximando esse artifício do teatro com os truques do prestidigitador. O ventríloquo, que também apareceu, embora de outro modo, na cena “Looners”, aparece aqui completamente subvertido. O aspecto destruído da boneca já anuncia que não se trata de um número engraçadinho, mas o conteúdo da fala em off da moça entrevistada, representada pela boneca, ultrapassa aquele sinal de aparente decadência. A tristeza da sua história, a violência que ela sofre, surpreende a cada fala e comove o espectador, enquanto todo o entorno da cena deixa o espectador à vontade para rir. O riso vem difícil e chega a causar constrangimento. É nesses momentos que fica bastante perceptível que a simplicidade na lida com a forma engendra, na construção da cena, uma grande sofisticação.
A cena em si, com suas diversas partes, não parece muito complexa, mas o estado de espírito provocado no espectador é, por sua vez, bastante complexo. O grupo tem um grande mérito por essa realização. Pela facilidade em lidar com o cômico, os integrantes poderiam simplesmente fazer cenas engraçadas, imitar coisas de circo, se vestir a caráter, contar piadas, etc., mas optaram por operar uma subversão dos procedimentos do circo e da relação do espectador com o riso. Foi um acerto da curadoria e da organização fechar a apresentação das cenas inscritas na Mostra com “Prêtà-porquê”.
Foto: Elenize Dezgeniski
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