A Cia Extravanganza apresenta dois trechos de um espetáculo realizado pelo grupo alguns anos atrás, a montagem do texto “Teus desejos em fragmentos” do dramaturgo chileno Ramón Griffero. O que acontece em um caso como este é que a discussão sobre a obra como um todo precisa vir à tona para que a cena faça sentido. Por mais que a peça seja em fragmentos, os fragmentos escolhidos, isolados, não parecem autônomos. Isso coloca uma dificuldade para o espectador.
Procuramos então observar o que aparece na cena e o que se pode pensar a partir do que se dá a ver: a relação dos atores com a palavra no teatro. Essa relação apresenta uma série de possibilidades de experimentação. A que vemos na cena “Desejos” é o trabalho com a imagem, talvez mais especificamente com o caráter instável da imagem quando parte de uma voz que não é a de um personagem nitidamente delineado. A condição da fala do ator é problematizada quando esta fala parece, a princípio, não significar uma ação ou uma relação imediata com outro personagem. O trabalho com essa condição da palavra leva a voz do ator para um tom que se aproxima da declamação. É como se a imagem estivesse em outro lugar, dissociada do corpo do ator e do espaço da cena. Em alguma medida, esse tom de declamação aparece na cena da Cia Extravaganza. O que podemos nos perguntar é como fazer de outra maneira, como materializar imagens através da fala, sem carimbar na voz o peso da responsabilidade de dar a ver essas imagens que o texto sugere? Como usar a concretude do corpo para materializar a abstração imagética que se apresenta nas palavras? Como pode o corpo se deixar implicar pelas palavras?
Outro ponto que pode ser observado a partir da cena apresentada é o trabalho sobre a presentificação de um outro tempo. O texto não parece indicar uma ação no presente. A localização temporal da cena está em suspenso. No entanto, o espaço está materializado. Como o grupo optou por usar o teatro nu, sem os elementos que formam a caixa preta, e por iluminar esse espaço com uma iluminação de teatro, a cena ganhou uma espécie de cenário: a parede e a porta ao fundo do palco podem ser vistas como a parede e a porta de algum lugar concreto. Com essa instauração de um espaço visível, a relação com o tempo perde um pouco da fluidez.
Como o espetáculo inteiro foi criado para um espaço diferente e estes fragmentos foram transpostos para o palco italiano apenas para a Mostra, é possível pensar que tanto essa concretização do espaço visual quanto a frontalidade na relação do ator com o espectador possam ter causado essa tensão estranha entre espaço e tempo e tenham dado um peso mais solene para a voz dos atores, fatores que talvez tenham contribuído para a dificuldade de apreensão da cena. Mas, no final das contas, fica a impressão de que a análise dos fragmentos apresentados fica tateante demais sem a referência da montagem original.
Por Daniele Avila
Foto: Elenize Desgeniski
Foto: Elenize Desgeniski
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