Nena Inoue, natureza da latinidade expressa } Elenize Dezgeniski |
Por mais contundente a condição da mulher relatada em “Para Não Morrer”, com seu corpo tensionado, a boca distorcida, a gestualidade contida, a postura ereta sentada numa poltrona cenográfica, a imagem engendrada pela presença de Nena Inoue produz uma força ambivalente de sabedoria que a aproxima da Pachamama. Na língua quéchua, “pacha” equivale a universo, a lugar, a tempo, enquanto “mama”, pressuposto, alude à mãe. Essa Mãe Terra é considerada uma divindade andina pelo que encerra de fertilidade e feminino. O tecido estampado do sofá funde-se ao figurino e aos adereços da atriz de cabelos esvoaçados, delineando a imagem triangular de uma montanha. Jarros d’água mimetizam a ilha ao redor. Aqui a natureza brota em sua raiz, despida da plasticidade oca do comercial de cosmético. A voz que está com uma mulher engasgada na garganta bebe dos escritos curtos de Eduardo Galeano (1940-2015). O tratamento dramatúrgico de Francisco Mallmann dá corpo ao coro de lutadoras contra a opressão, sobretudo latino-americanas, coirmãs nos atos de resistência e na condição de vítimas sistêmicas ou imediatas sob mãos mais pesadas e não raro íntimas da violência em diferentes graus da existência. Nena Inoue transcende a difícil tarefa de interpretar em contato com o grotesco, registro que nessa proposta implica deformar a própria enunciação. Para quem foi forjada no ofício tendo a palavra em alta conta, pode-se supor o tamanho da dificuldade desse projeto que idealizou e contou com a cocriação de Babaya Morais, preparadora vocal que zelou pelo não transbordamento. Não há válvula para lirismo nem mesmo quando o autor uruguaio vai às fontes com Sherezade, aquela que fez do medo de morrer a genialidade para narrar e salvar-se da morte iminente. Os tempos são secos, urgentes e doloridos na acepção da criadora e fundadora do Espaço Cênico. Ao menos se permite saudar o hino de Mercedes Sosa na abertura e no desfecho. O conteúdo do trabalho conversa bem com a primeira cena da noite, “Con la Carmen no Te Metas”, da Súbita Companhia de Teatro. (Valmir Santos)
'Para não morrer' evoca 'Mujeres' de Eduardo Galeano } Elenize Dezgeniski |
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