Atrizes da Súbita vão à luta com Carmen } Elenize Dezgeniski |
E
tudo recomeça do avesso. No verso, na “bunda” do teatro. O som do sapateado – em
crescendo – detrás dos portões que dão acesso ao palco para carga e descarta de
material. Ouvimos o sol sob os sapatos flamencos. A imaginação vai longe.
Suspense. O que vem são quatro ciganas de pernas abertas e de peito aberto para
tourear o machismo explícito e secular das sociedades, não importa a
topografia. Na Antiguidade, assassinatos e batalhas sangrentas eram chamados obscenos
por acontecerem fora do alcance da visão do público. Aqui, o espectador entra
pelos fundos, permanece em pé, pode se agachar na clareira da cena no tablado
ou avançar para os assentos da plateia propriamente dita, nos rearranjos e
angulações possíveis para encontrar o campo de relação com a experiência. Em “Con
la Carmen no Te Metas”, a Súbita Companhia de Teatro subverte o entendimento
daquilo que está por trás do que está por trás. Escancara a obscenidade da
violência contra a mulher, esse corpo-território disputado desde tempos imemoriais
com feiticeiras atiradas ao fogo e as assim chamadas histéricas exploradas pelo
voyeurismo dos doutores do salão na aula de medicina. Janaina Matter, Helena de
Jorge Portela, Má Ribeiro e Patricia Cipriano são as desgarradas de uma
barricada arcaica e urgente, dada a absurda naturalização do feminicídio em
nossos dias. O corpo estendido no chão e o grito cantador, à maneira das
incelências, dizem sobre a tragédia cotidiana e condizem com a atmosfera de
revolta e lucidez sustentadas na presença coletiva e no olhar das atuantes. Os
dramaturgos e diretores Maíra Lour e Gabriel Machado dão poderosas bases
imagéticas para essa travessia feita de incandescências e ao mesmo tempo de
lamentos e incertezas, inclusive no percurso da cena que convida a fazer
escolhas. (Valmir Santos)
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