por Luciana Romagnolli
Em "Reunião de Condomínio", o pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980) guia a Súbita Companhia de Teatro em sua abordagem para o conto de Marina Colasanti sobre um morador que vai à reunião de condôminos fantasiado, e se vê diante do poder paralisante das divergências de opiniões que não entram em acordo. Como terceiro ponto de sustentação, a cena se equilibra na relação entre a presença física da atriz e a virtualidade dos personagens com quem contracena, pré-gravados em vídeo. Com isso, fica estabelecido o confronto do eu com o outro, problematizado na teoria sartreana, transposto para um contexto do cotidiano de classe média e mediado pela diferença de linguagens empregadas em cena.
O eu - representado pela atriz Janaina Matter - se apresenta carnal, palpável, presente. Uma mulher cujas inquietações de uma noite de tédio a levam a romper o protocolo da reunião de condomínio vestindo traje carnavalesco. Seu discurso é carregado das frases-sínteses do existencialismo - entre as quais, "o inferno são os outros" e "estamos condenados à liberdade". Seu figurino, ousado nas unhas agressivas e nas misturas de texturas dos tecidos. A potência à qual alude é de uma transgressora.
Contudo, a junção das palavras à imagem que ela assume não constitui uma individualidade consciente de que efeito quer exercer sobre o microcosmo que enfrenta. Se a liberdade está em escolher, a pergunta a ser feita à personagem é qual escolha ela faz? Como pretende exercer a sua liberdade? Até para que esbarre no limite imposto pelos outros, com suas respectivas e distintas escolhas, antes seria desejável a afirmação desse eu. Pensar mais detidamente sobre essas questões e seus desdobramentos na fábula escolhida pode dar outra profundidade à cena, além da superfície das ideias.
Pois vamos aos outros. Trazidos ao palco em vídeo e, como observado pela debatedora Lucienne Guedes, maiores que a personagem e posicionados acima dela no espaço cênico, eles esmagam a presença da atriz, desfavorecida também pela luz insuficiente sobre si. Essa relação desmedida, se intensificada, pode ter seus sentidos incorporados à criação, reiterando o peso dos outros sobre o eu. Na cena, o que se vê é uma interação rica em detalhes e rigorosa nos tempos, mas na qual a afetação entre as partes é enfraquecida. A certa altura, no meio da cena, o vídeo toma o protagonismo e a personagem pouco reage, relegada à condição de espectadora também. Pela natureza do registro audiovisual pré-gravado tal como apresentado, o universo dos outros se torna evidentemente impermeável. O atrito entre individualidades se dilui num aparente determinismo pessimista de que não há possibilidade real de afetação.
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"Reunião de Condomínio". Foto de Lidia Sanae Ueta. |
Em "Reunião de Condomínio", o pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980) guia a Súbita Companhia de Teatro em sua abordagem para o conto de Marina Colasanti sobre um morador que vai à reunião de condôminos fantasiado, e se vê diante do poder paralisante das divergências de opiniões que não entram em acordo. Como terceiro ponto de sustentação, a cena se equilibra na relação entre a presença física da atriz e a virtualidade dos personagens com quem contracena, pré-gravados em vídeo. Com isso, fica estabelecido o confronto do eu com o outro, problematizado na teoria sartreana, transposto para um contexto do cotidiano de classe média e mediado pela diferença de linguagens empregadas em cena.
O eu - representado pela atriz Janaina Matter - se apresenta carnal, palpável, presente. Uma mulher cujas inquietações de uma noite de tédio a levam a romper o protocolo da reunião de condomínio vestindo traje carnavalesco. Seu discurso é carregado das frases-sínteses do existencialismo - entre as quais, "o inferno são os outros" e "estamos condenados à liberdade". Seu figurino, ousado nas unhas agressivas e nas misturas de texturas dos tecidos. A potência à qual alude é de uma transgressora.
Contudo, a junção das palavras à imagem que ela assume não constitui uma individualidade consciente de que efeito quer exercer sobre o microcosmo que enfrenta. Se a liberdade está em escolher, a pergunta a ser feita à personagem é qual escolha ela faz? Como pretende exercer a sua liberdade? Até para que esbarre no limite imposto pelos outros, com suas respectivas e distintas escolhas, antes seria desejável a afirmação desse eu. Pensar mais detidamente sobre essas questões e seus desdobramentos na fábula escolhida pode dar outra profundidade à cena, além da superfície das ideias.
Pois vamos aos outros. Trazidos ao palco em vídeo e, como observado pela debatedora Lucienne Guedes, maiores que a personagem e posicionados acima dela no espaço cênico, eles esmagam a presença da atriz, desfavorecida também pela luz insuficiente sobre si. Essa relação desmedida, se intensificada, pode ter seus sentidos incorporados à criação, reiterando o peso dos outros sobre o eu. Na cena, o que se vê é uma interação rica em detalhes e rigorosa nos tempos, mas na qual a afetação entre as partes é enfraquecida. A certa altura, no meio da cena, o vídeo toma o protagonismo e a personagem pouco reage, relegada à condição de espectadora também. Pela natureza do registro audiovisual pré-gravado tal como apresentado, o universo dos outros se torna evidentemente impermeável. O atrito entre individualidades se dilui num aparente determinismo pessimista de que não há possibilidade real de afetação.
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