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Limites do amor romântico

por Luciana Romagnolli
"Amores Dissecados". Foto de Lidia Sanae Ueta.

Ingrata empreitada a de falar do amor. O tema mais repisado. Provedor dos maiores clichês. Algum frescor - para não dizer originalidade - pode ser encontrado, talvez, no mergulho na experiência singular de indivíduos. Como a atriz Janaína Leite e o ex-marido fazem no documental "Festa de Separação". Sem essa fagulha de verdade ou particularidade, paira-se no marasmo de um imaginário conhecido, que as novelas e os romances literários e cinematográficos exploram à exaustão, jogando com as possibilidades de identificação e comoção do público.

Longo prólogo para enfim encontrar a cena "Amores Dissecados", do grupo paulista Teatro No Meio Fio. Dissecar sugere decompor em partes, em geral para compreender, ou, ao menos, conhecer em detalhes. As microhistórias que os atores Carolina Ferraresi e Valmir Martins apresentam, contudo, raramente perfuram a superfície das relações. Tem-se a ansiedade por encontrar um grande amor, rapidamente apaziguada. A infelicidade ao lado do marido boêmio, que frustra a esposa. O casal que se despede da vida juntos.

Entre soluções cênicas simples, que se servem dos objetos emblemáticos relacionados ao tema, predominam as expectativas do amor romântico, alheio a outras formas de homens e mulheres relacionarem-se afetiva e sexualmente. Desponta a história do menino cuja paixão se manifestava por bullying, como uma abordagem inesperada.    

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