Pular para o conteúdo principal

OS TRÊS TENORES

Foto: Elenize Dezgenisk

Texto: Daniel Schenker


Cena de Concerto em Ri Maior, Os Três Tenores evoca o contraste entre o clown augusto e o clown branco – entre a malícia ingênua e popular do primeiro e certo esnobismo do segundo. É justamente a partir do jogo de opostos que a Cia. dos Palhaços procura extrair resultado, apostando na diferença entre o carismático e histriônico Sarrafo e o retraído músico russo Wilson Schevchenco.

Em que pese o timing acertado e a habilidade dos atores Felipe Ternes e Eliezer Vander Brock (também responsáveis pelo texto), não há como deixar de assinalar um sabor deja vu imperante durante a apresentação. Afinal, a cena repousa sobre terreno já palmilhado: a brincadeira da tradução de um idioma para o outro (servindo à manipulação do discurso e aludindo à quantidade diferenciada de palavras para se dizer a mesma coisa), a referência a sucessos do cinema (Titanic e Um Lugar chamado Nothing Hill) e a estrutura de cenas independentes, como numa sucessão de gags.

Mas o principal ponto em relação a Os Três Tenores diz respeito à proposta de contato com o público. Desde o início, a cena praticamente se transfere para a plateia, com os atores intimando a participação do espectador por meio de “pedidos” bastante conhecidos: que todos digam os próprios nomes ao mesmo tempo, façam aquecimento vocal (a ser regido pelo maestro Schevchenco) e que pelo menos um se candidate à contracena com os atores. Felipe Ternes e Eliezer Vander Brock procuram dirigir a reação do público, deixando pouco espaço para apropriações individualizadas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ronca o rancor

Princesa Ricardo (Marinelli) critica e escarnece da onda reacionária  }  Elenize Dezgeniski Provérbios, chavões, lugares-comuns, tanto faz, eles abundam na figura da Princesa Ricardo em “Das Tripas Coração”, arremedo de ópera-bufa em que o performer Ricardo Marinelli captura pela unha a narrativa reacionária que o Brasil nunca viu tão descarada. E dela escarnece apoiada nos vícios de linguagem. Funciona muito bem a analogia dos excessos diante da realidade transbordante, da virulência com que as vozes conservadoras perderam os pudores na desqualificação do diferente. A cena desossa o senso comum e abre outras portas para mostrar que os significados (das coisas, das vidas, das palavras) sofrem um desgaste sem precedentes no atual quadro sociopolítico. Texto-depoimento e ações podem soar literais ou desarmônicas, permitindo ao espectador um exercício permanente de verificar os anacronismos entre fala e expressão corporal que chamam ao pensamento crítico. Para essa figura...

Zona erógena e cócegas

Cena  parte de texto de catalão e é dirigida por André Carreira }  Elenize Dezgeniski Em “Romeu e Julieta”, o frei Lourenço afirma que “Esses prazeres violentos têm finais violentos/ E, em seu triunfo, morrem como o fogo e a pólvora./ Que se consomem quando se beijam”. Para além do fundo histórico e social da tragédia, a impossibilidade da consumação do amor juvenil em Shakespeare talvez nos diga mais sobre a sabotagem dos desejos na contemporaneidade. Um prolongado beijo entre personagens que se dizem irmãos, ele e ela, é um dos múltiplos ruídos propositalmente desestabilizadores em “La Belle Merde”, do Grupo Teatral (E)xperiência Subterrânea, de Florianópolis. A objetividade científica da forma expositiva vem associada à apresentação de seminário ou conferência que aparenta se passar em sala de convenção ou sala de aula, ainda que sugira a neutralidade de um ambiente com uma cadeira e uma mesa discretas, além da luz invariável. Os atores Lara Matos, Lucas Heymanns e Mar...

A camiseta que habito

Clarissa Oliveira em 'Que Bom Que Você Entendeu...'  }  Elenize Dezgeniski A Companhia Transitória encampa um depoimento antiviolência contra a mulher em “Que Bom Que Você Entendeu Que Estou Tão Perdida Quanto Você”. Proposição tudo a ver com as letras de uma banda californiana que marcou a década de 1990 com pegadas punk e grunge, o Hole, influência confessa da diretora e dramaturga Nina Rosa Sá e cujas canções, em geral, versam sobre os malefícios da sociedade patriarcal, permissiva ao assédio, às agressões física e psicológica, à cultura do estupro. Questões de identidade, de sexualidade e de imagem corporal que aparecem, por exemplo, na letra de “Celebrity Skin” (pele de celebridade, 1998), interpretada pela vocalista e guitarrista Courtney Love. Há uma atitude independente e indignada na disposição e nas falas das atrizes Ludmila Nascarella, Clarissa Oliveira e Ana Larousse. Seus discursos afirmativos são unívocos (efeito colateral do tom monocórdio das voze...